Há dias que chegam como se fossem qualquer coisa.
Verdadeiramente, vivemos no automático.
Acordar, escovar os dentes, esquentar o café, tentar organizar a casa.
As crianças chamam, o celular apita, a louça suja espera.
A vida vai passando enquanto a gente resolve o que parece urgente, mas talvez nem seja.
E se esse fosse o último dia?
Não falo isso com urgência catastrófica, nem com a estética simplória dos filmes de tragédia.
Falo com a voz calma de quem já entendeu que a morte não manda aviso.
Ela apenas chega.
E quando chega, fecha o pano do palco, interrompe a cena, interrompe a fala no meio da frase. Deixa pratos sujos na pia, livros abertos, mensagens inacabadas. Ficamos mudos do dia para a noite.
A vida é um ensaio que nunca tem estreia. O palco é agora.
A cada manhã, ensaiamos a despedida. Mesmo sem saber.
A verdade é que a gente vive como se tivesse tempo sobrando.
Mas não tem.
A gente acha que amanhã vai ter mais paciência, mais tempo, mais presença.
Só que amanhã pode nem chegar.
E não precisa de tragédia pra isso, basta estar vivo.
A morte não costuma avisar.
Ela só vem.
E deixa coisas por fazer, por dizer, por viver.
É inevitável parafrasear Sêneca:
"Morreremos como vivemos: ocupados com ninharias."
Sim, ocupados com ninharias. Ajeitando o lençol, respondendo e-mails, discutindo sobre quem ia levar o lixo para fora. Como se tivéssemos o direito garantido de repetir o amanhã.
Sucessivamente.
Mas, pode ser que o amanhã não venha.
E isso, em vez de nos desesperar, poderia nos salvar.
Salvar do automatismo.
Salvar da pressa.
Salvar da negligência com aquilo que é essencial, mas que vive sendo deixado para depois.
Se soubéssemos que hoje é um ensaio geral para o último dia, talvez olhássemos nos olhos com mais profundidade. Talvez deixássemos de adiar o “eu te amo” sincero. Talvez recolhêssemos nossos filhos no colo com menos impaciência. Talvez escrevêssemos aquela carta, aquela mensagem.
Talvez silenciássemos antes de ferir. Talvez respirássemos mais devagar.
Talvez, finalmente, vivêssemos com sentido.
Porque viver mesmo, viver de verdade,
é entender que cada instante é um ensaio sagrado.
E que, mesmo quando os aplausos não vêm,
mesmo quando a cena parece pequena,
o que se faz com presença… permanece.
Todo dia é um ensaio geral para o último.
Mesmo que a gente finja que não.
Então hoje, enquanto você lava a louça, ou ajeita o travesseiro da cama, ou embala seu filho no colo, viva isso de verdade.
Olhe no olho.
Fale com carinho.
Escolha o silêncio onde antes você gritaria.
Escolha o abraço onde você já pensou em virar as costas.
Porque talvez a cena seja simples,
mas a presença transforma tudo em sagrado.
Acredite em mim, eu escrevo esse texto com conhecimento de causa.